quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Cineterapia

Soderbergh filmou em finais de 2008, apanhando em cheio as consequências da crise do Lehman Brothers e o clima da campanha presidencial norte-americana. Todos os actores estão a representar-se a si próprios de alguma forma, incluindo o único elemento profissional do elenco: Sasha Grey, actriz porno, aqui no papel de prostituta de luxo. Foi-lhes pedido para improvisar, foram deixados à solta – e isso nota-se a um ponto que chega a surpreender e incomodar. Gastou pouco mais de 1 milhão de euros e usou uma pequeníssima equipa de produção. Em 16 dias fez a versão negra do Sex, Lies and Videotape.
20 anos antes, um triângulo romântico ligava jovens adultos na descoberta da inexistência do amor. O amor não passava de instinto, medo e narcisismo. Mas havia um final feliz à espera dos iniciados. Quem conseguisse descer aos infernos da lucidez, aí tomando posse de si pelo verbo, regressaria à superfície afectiva para ser aspergido pela abençoada chuva da confiança. A confiança era superior ao amor da mesmíssima forma como o ser é superior ao nada.
20 anos depois, temos também um triângulo amoroso que levará ao desaparecimento de um casal, porém sem redenção no horizonte. Adultos abastados usam dinheiro para tentar comprar confiança sob o pretexto de quererem sexo. Sexo e dinheiro são já elementos destituídos de qualquer fascínio. Deixaram de atrair, embora não possam deixar de existir. Mas é preciso continuar a acumular dinheiro e a consumir sexo, tal como é preciso continuar a respirar e a comer. Não há, literalmente, mais nada para fazer no topo da pirâmide. E ninguém o sabe melhor do que uma prostituta que trabalha como namorada. Oferece a suprema ilusão, o simulacro do bem maior: a tal salvífica confiança. Tão precioso é este bem que também ela o procura apesar de já o ter encontrado. E nessa ganância o irá perder através de um investimento amoroso falhado.
Soderbergh filma personagens assustadas com a crise económica, dando conselhos para se comprar ouro, zangadas porque perderam negócios, tentando criar esquemas para aumentar os seus rendimentos, discutindo o funcionamento da Reserva Federal, mandando palpites acerca de McCain e Obama, expressando a sua descrença no bailout aos bancos americanos. Estão apavoradas, o seu mundo ameaça ruir. Compram mulheres só para as poderem abraçar. E dão-lhes abraços desesperadamente sinceros, porque sinceramente desesperados.
Nesta nova economia do amor, a confiança é apocalíptica.

In: Aspirina B

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